quinta-feira, 9 de abril de 2015

Dos sorrisos

Cheguei ao velório, cumprimentei a família, olhei em meu redor e lá estava ela, olhos cravados em mim, ansiosa que a visse, com os olhinhos a dizerem "Olha para mim, estou aqui, estou aqui!". E eu, cabra que me orgulho de saber ser, lancei-lhe o meu olhar trinta e sete, aquele que diz "sim, já te vi, sossega lá a passarinha que já aí vou". E quando achei que era tempo lá fui, cumprimentei quem estava com ela e por fim cumprimentei-a também, mas não a vi de facto. Tornou-se transparente para mim há vinte anos, no dia em que decidiu que a conta bancária do sogro era mais importante do que a nossa amizade de uma vida. Sou assim com as pessoas de quem gosto muito e que me desiludem profundamente, morrem-se-me. Deixo de pensar nelas, não me lembro sequer que existem a não ser quando me aparecem à frente e quando aparecem é como se fossem transparentes, não sinto nada, não há sorrisos, não lhes pergunto como vai a vida, porque não me interessa. Cumprimento-as porque sou uma pessoa educada.
A conta bancária do sogro poliu-lhe a aparência; aprendeu com a sogra, que a trata com desprezo, a ser chique, a falar à tia fozeira e a ter aquele sorriso morto constantemente colado na cara. E eu fiquei a pensar que há pessoas que nascem para serem chiques e há as que nascem para serem felizes. Eu sou feliz, o meu sorriso é espontâneo e só o vê quem é digno dele.

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