quarta-feira, 22 de junho de 2016

Maria Luísa casou-se aos dezoito anos. Engravidou de um rapaz poucos anos mais velho e os pais, porque parecia mal se não o fizesse, obrigaram-na a casar-se ainda antes que a barriga de grávida se fizesse notar. Não interessava se diziam à boca pequena que o rapaz era toxicodependente, completamente agarrado à heroína, o importante era que a honra da família fosse salva.
Casaram, ficaram a viver em casa dos pais de Maria Luísa que foram patrocinando tudo, uma vez que nenhum dos dois tinha emprego. Passado uns meses nasceu uma menina linda e o avô, pessoa muito estimada pelos empresários da zona, conseguiu arranjar emprego para os pais da criança. Maria Luísa manteve o emprego durante uns anos, mas no caso do marido tudo era bem mais complicado. A dependência da heroína levava-o a faltar demasiado ao trabalho, o salário que recebia não lhe pagava o vício, acabou por não se aguentar em emprego nenhum e daí até começar a roubar os sogros foi um piscar de olhos.  Eram jóias que desapareciam, assaltos forjados para justificar o desaparecimento de electrodomésticos, uma verdadeira tortura para os sogros que foram gastando grande parte do pé de meia que tinham, para não passarem pela vergonha de ver o pai da neta a roubar as pessoas de fora.
No meio de tudo isto, Maria Luísa não abandonou nunca o pai da sua filha. Sem nunca ter cedido ao vício do marido, não o deixava ir sozinho comprar a droga, nunca permitiu que consumisse num canto qualquer, esteve sempre lá para o levar de volta a casa. Nunca se lhe ouviu um lamento que fosse, nunca teve uma palavra em desfavor do marido. Aguentou estoicamente, acompanhou-o em muitas e infrutíferas desintoxicações, mas acabou por ter que abandonar a casa dos pais que, mesmo continuando a pagar todas as despesas, lhe pediram que pusesse fim ao tormento que se vivia naquela casa. Mudou-se com o marido e a filha para um apartamento pago pelos pais, onde se aguentou durante uns meses, mas o facto da filha se começar a aperceber do problema do pai e de o dinheiro ser cada vez menos para alimentar o vício do marido, levou-a a fazer-lhe o ultimato de que ou se tratava de vez, ou o casamento de quase sete anos ficava por ali. Conseguiu que o marido percebesse que estava na hora de mudar a vida, escolheram um centro de reabilitação em França, onde ele passou quase um ano a trabalhar de sol a sol e de onde veio livre do vício.
Reorganizaram a vida, criaram uma empresa onde trabalharam que nem mouros durante uns anos, tiveram uma segunda filha, a vida corria-lhes de feição, até que a crise atingiu o Vale do Ave e as coisas começaram a correr menos bem. Mudaram de ramo, continuaram a trabalhar, mas a má sorte e algumas más escolhas levaram-nos a uma situação financeira muito delicada e mais uma vez os pais de Maria Luísa tiveram que recorrer às poupanças para ajudar a filha. Pelo meio, o cancro e o alcoolismo do pai de Maria Luísa que se agravou à medida que via a vida da filha a ficar mais complicada. Há um ano que o pai da Maria Luísa perdeu a vida para o cancro e o álcool. Há dois anos que o marido da Maria Luísa se vê a braços com um cancro na bexiga. Maria Luísa está casada há trinta anos, é uma mulher de fibra, sem papas na língua, que sempre fez só o que bem entendia, sem se preocupar com o que os outros pensam, que anda de cabeça erguida mesmo perante todas as adversidades da vida, amiga do seu amigo, de uma lealdade canina àqueles que ama.
A Maria Luísa foi há três semanas trabalhar para Inglaterra, para poder garantir à filha mais nova uma vida digna e sem grandes privações e para tentar aliviar o fardo do marido, que ajuda da melhor forma que pode, estando presente. Não foi para um emprego atrás de uma secretária, foi trabalhar para casa de um árabe, para ajudar a tomar conta dos velhos da família. Maria Luísa, aos quarenta e nove anos, deixou cá as filhas, o marido, a família, os amigos e toda a sua vida, para poder continuar a andar de cabeça erguida e porque acredita que o dia de amanhã pode sempre ser melhor.
Conheço a Maria Luísa há mais de trinta anos, tenho a certeza que muito em breve fará amigos e até aposto que já foi beber umas cervejas ao pub da esquina, mas também sei que está de coração apertado e que chorará muitas vezes quando regressar ao quarto onde dorme, onde ninguém vê as suas fragilidades.
São mulheres como a Maria Luísa aquelas por quem eu sinto verdadeira admiração, as que se fazem à vida de peito aberto, sem constantes lamentações, nem afirmações bacocas de feminismo recalcado. São mulheres como a Maria Luísa que restauram o meu orgulho em ser mulher e que me fazem acreditar que podemos ser melhores, mais mulheres.
A ti, Maria Luísa!

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