quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A minha avó Otília

A avó Otília nasceu no dia 01 de Dezembro de 1901, atravessou as duas Guerras Mundiais e nunca teve uma vida fácil. Passou fome e viu os seus três filhos passar pelo mesmo.
A avó Otília casou com o avô Manuel, que eu não cheguei a conhecer, e que lhe deu uma vida de muito trabalho e dificuldades. Ainda o meu pai e os irmãos eram miúdos, o avô Manuel decidiu fazer a vida dele com outra mulher, sem se preocupar minimamente se os filhos tinham o que comer.
A avó Otília cozia pão no forno a lenha que tinha em casa e caminhava todos os dias mais de 40 quilómetros para o vender e ter o que dar de comer aos filhos.
A avó Otília foi ao hospital buscar o avô Manuel, passados muitos anos, quando ele teve um AVC que o deixou agarrado a uma cama e foi abandonado pela outra mulher. Tratou dele anos a fio sem que nunca se lhe ouvisse um lamento, ou uma palavra torta.
A avó Otília usava sempre um lenço na cabeça e nunca mais tirou o luto desde que o avô Manuel morreu.
A avó Otília media mais de 1,70m e calçava o 41, mas andava sempre descalça, de Verão e de Inverno.
A avó Otília não tinha dentes, mas até côdeas de broa comia.
A avó Otília aprendeu a ler sozinha e aos 82 anos ainda lia sem óculos.
A avó Otília, apesar de nunca ter ido à escola, falava e escrevia um português correcto e tinha conversas com mais conteúdo do que muitos licenciados que conheço.
A avó Otília, apesar das agruras da vida, tinha um ar doce e trazia sempre um sorriso no rosto.
A avó Otília tinha um lar na cozinha e cozinhava nas panelas de pernas, com as brasas do lume que acendia logo que se levantava, fosse Inverno, ou Verão.
A avó Otília tinha uma adoração pelo filho Zé e pelo meu irmão, que era o seu "cinco contos".
A avó Otília trabalhou no campo até aos 82 anos, altura em que um cancro no estômago a obrigou a parar. Naquele tempo a medicina ainda não tinha evoluído o suficiente para que não sofresse como sofreu, mas nunca lhe ouvimos um ai.
A avó Otília tinha sempre umas batatas, umas cebolas e uns ovos para dar aos meus pais sempre que lá íamos de visita ao fim de semana.
A avó Otília adorava melancia e pepino.
A avó Otília cozia a melhor broa de milho do mundo.
A avó Otília era a Ti'Otília para o povo lá da aldeia e toda a gente se lembra e fala com carinho da Ti'Otília.

A minha avó Otília morreu aos 83 anos, era eu uma miúda. Não éramos muito chegadas, não fui uma neta desejada, apareci por acaso, mas nutro por ela uma profunda admiração.
Herdei dela a altura, a forma de andar, as mãos, a vontade de aprender sempre mais, a resiliência, o gosto por melancia e pepino, o saber fazer uma fogueira e o gostar de me levantar cedo e aproveitar o dia.
Gostava que a minha avó Otília ainda estivesse entre nós, para lhe poder dizer o quanto a admiro e o orgulho que tenho da mulher que ela foi.

1 comentário:

  1. Adorei. Revi a minha avó, que foi a minha primeira mãe, em muitos destes pontos. E que falta desgraçada que ela me faz...
    Com um exemplo destes na tua família não te hão-de faltar forças, vê-se que a raça é de coragem. Parabéns!

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